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Peluso e o salto triplo carpado

Data: 29/09/2010 15:00

Autor: José Renato de Oliveira Silva

    Em junho, logo após a aprovação pelo Senado do projeto de lei que viria a se tornar a Lei Complementar nº 135, a já maltratada lei da ficha limpa, escrevi (“Dorneles quis malufar o ficha limpa”) que uma emenda do Senador Francisco Dornelles (PP/RJ) ia dar o que falar nos meios políticos e jurídicos, especialmente no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal. Perdi o palpite quanto ao TSE, pois lá a questão passou batida, mas no STF não deu outra: o presidente Cezar Peluso lançou o que o ministro Carlos Ayres Brito chamou de “salto triplo carpado hermenêutico” para tentar enterrar de vez a lei de iniciativa popular.
 
    Eu havia dito que Dornelle,s por extremada “esperteza”, tinha trocado em diversos dispositivos a expressão “os que tenham sido condenados” por “os que forem condenados”, tentando jogar para o futuro a punição que atingiria o presente, isso a pretexto de uniformizar a redação legal.
 
    O senador fluminense, àquela época, conseguiu convencer todos os seus pares de que não se tratava de nenhuma alteração de relevância, mas mera emenda de redação (sugeri, inocentemente: por que não simplesmente “os condenados”?), o que tornaria desnecessário o retorno do projeto para reapreciação pela Câmara dos Deputados, e assim foi feito, pois dali o projeto seguiu direto para o Palácio do Planalto, -onde foi prontamente sancionado, sem vetos, pelo presidente Lula. Duvidei e continuo duvidando que tenham entrado na dele por inocência. Ao se alterar o tempo verbal, imaginei, muitos juristas e políticos iriam defender que havia sido alterada a substância do projeto, o que não poderia prescindir de nova passagem pela Câmara, e assim a lei nascitura viria com vício de forma, inconstitucional portanto.
 
    Argumentava-se então que nenhum dos legitimados para a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) teria disposição para levantar a questão no Supremo. O Procurador Geral da República já havia adiantado que o Ministério Público não faria qualquer questionamento desse tipo, pois acreditava ser ela constitucional e saudável. Mas e os que fossem diretamente atingidos? Arrisquei que alguns poderiam arguir que a alteração legislativa só valeria para os condenados após a sua publicação, uma homenagem à interpretação literal. Alguns –arrisquei novamente- até diriam que só para os crimes praticados após a nova lei. Alegariam também, pensei, que se não fosse assim, a lei seria inconstitucional por erro de tramitação.
 
    Mas naquela oportunidade eu também havia “criticado” o senador Dornelles por não ter feito uma malufada perfeita. É que o art. 26-C, que a Lei Complementar 135/2010 acrescentou à LC 64/90, assegura que, sendo plausíveis as razões de recurso da decisão que tivesse declarado a inelegibilidade, poderia a parte obter cautelarmente efeito suspensivo, mas neste caso o seu recurso teria prioridade de julgamento sobre todos os demais, à exceção dos casos de habeas corpus e mandado de segurança. Garantiria-se, assim, que algumas liminares não fossem mais eternas, como nos tempos atuais.
 
    Nessa linha, a mesma LC 135 dispõe em seu art. 3º que os recursos interpostos antes de sua vigência poderão ser aditados para o fim de se requerer o efeito suspensivo de natureza cautelar do art. 26-C, o que igualaria, em termos de oportunidades processuais, os já apenados aos condenados pós lei. Ou seja, a interpretação literal poderia ceder espaço a uma interpretação sistemática que viesse a concluir que a inelegibilidade poderia atingir sim quem tivesse sido condenado antes da publicação do novo diploma legal, pois do contrário não haveria sentido neste art. 3º.
 
    Mas ninguém precisou questionar, no Supremo, a malufada do Dornelles. O próprio presidente, por sua conta, levantou a bandeira da inconstitucionalidade por vício formal contra a lei da ficha limpa, algo que sequer havia sido aventado pela defesa do ex-governador do DF, Joaquim Roriz, em seu recurso da decisão do TSE que o havia barrado para o baile. E ainda a tachou de “arremedo de lei”.
 
    O presidente Peluso, do STF, ao dar seu salto triplo carpado hermenêutico nesta quarta-feira, acabou com meus exercícios de futurologia. Foi uma verdadeira ode ao senador Dornelles.
 
*José Renato de Oliveira Silva é advogado, professor universitário e secretário geral da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MT. zerenatoadv@hotmail.com
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