O Estatuto da Criança e do Adolescente, (Lei. 8.069, de 13/07/1.990) ao garantir a proteção integral à criança e ao adolescente com a finalidade de lhes facultar o desenvolvimento físico, psíquico e moral, espiritual e social – em condições de liberdade e dignidade -, adota as medidas sócio-educativas como resposta aos atos infracionais. Medidas que vai desde a Advertência até a Internação, esta, a última a ser elencada em seu artigo 112 e, que à falta de implementação das Medidas em Meio Aberto - via de regra – a mais aplicada.
Ao longo dos anos a pena privativa de liberdade tem se mostrado ineficiente, a prisão como instrumento da pena-castigo só tem contribuído para a reprodução da criminalidade. Ficam latentes todos os pressupostos contrários à reeducação. Depreende-se, ainda, a desumanização, a deterioração humana, o preconceito, retirando do prisioneiro todo e qualquer sentido de dignidade humana. Nesse sentido, Albergaria[1] ao se manifestar sobre o rebaixamento da maioridade penal, preleciona (...). Já se acentuou que a pena de prisão determina a perda da liberdade e da igualdade, que derivam da dignidade humana. A perda dos direitos fundamentais de liberdade e igualdade representa a degradação da pessoa humana, como a tortura e o tratamento desumanos, expressivamente proibidos pela Carta Magna.
De bom alvitre ressaltar que – ao defender tais conceitos - não se trata da defesa da impunidade para a prática de crimes, delitos ou para atos infracionais. Devemos buscar mecanismos e instrumentos que possibilitem a efetiva diminuição da criminalidade e da violência na indagação do interesse público e social. Na realidade, o sistema prisional foi denunciado como fracasso desde 1820, e como bem asseverado por Foucault 2]: As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda, aumenta.
E, após tanto tempo da proclamação do fracasso da prisão, é surpreendedor que ainda se acompanhe a defesa de sua manutenção. Destarte, surpreende também, que setores do Governo, do Congresso Nacional bem como segmentos sociais defendam a redução da maioridade penal, argumentando que a solução para o problema da delinquência juvenil passaria – necessariamente – pela responsabilização dos adolescentes. Em sendo assim, o adolescente a partir dos 16 anos passaria a ser imputável respondendo penalmente pelos atos praticados, tipificados pela legislação como crimes. Acelera-se, pois, a discussão em torno da redução da idade penal, aliando-se a esta corrente àqueles que – além de pretenderem a manutenção do sistema prisional – querem abranger os adolescentes a partir dos 16 anos neste grande fracasso.
Mister se faz repetir que – do ponto de vista legal – a inimputabilidade apenas afasta o adolescente menor de 18 anos de idade, do procedimento criminal e das sanções previstas pela Lei Penal. Entretanto, estão sujeitos a procedimentos específicos, preconizado no Estatuo da Criança e do Adolescente, respondendo – efetivamente – pelos atos infracionais que praticarem.
Como dito alhures, ao adolescente é aplicada uma das medidas sócio-educativas após o devido processo legal. Medidas estas que visam a sua reinserção social para a atividade laborativa, educação e cultura. Na perspectiva de reeducar o adolescente, o Estatuto adota uma postura conceitual trabalhando as dificuldades inerentes aos adolescentes e contribuindo para a alteração de seu comportamento, empregando medidas pedagógicas.
As Medidas Sócio-Educativas em Meio Aberto, bem aplicadas, sinalizam êxitos na reeducação do adolescente e sua compreensão da realidade. Em contrapartida a medida de Internação (máximo de 03 anos), garante aos defensores da privação de liberdade o afastamento do adolescente da sociedade.
Ademais, ao defendermos a manutenção do artigo 104 do Estatuto, não podemos olvidar que a redução da idade penal é inconstitucional, posto que prevista no artigo 228 da Constituição Federal. Princípio este que encontra guarida no artigo 1º da Convenção dos Direitos da Criança.
Os direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal de 1988 são intocáveis... A supremacia dos princípios constitucionais está garantida no § 4º do artigo 60, estabelecendo que não será objeto de deliberação (...) os direitos e garantias individuais.
Como se não bastasse as cláusulas pétreas da Constituição, a fixação da imputabilidade a partir dos 18 anos de idade vai ao encontro das normas internacionais previstas pela Convenção da Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, promulgada pela Assembléia Geral em novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil mediante voto do Congresso Nacional.
Como se pode observar, imperioso seria fazer cumprir a Constituição e o Estatuto, implementando – de fato e de direito -, as Medidas Sócio-Educativas (principalmente as de Meio Aberto), reordenando as instituições e entidades de atendimento sob a visão do Sistema de Garantia de Direitos.
Um dos aspectos mais importantes nas medidas sócio-educativas é o fato de considerar o adolescente ainda em fase de formação, e, se, aplicadas de forma eficaz, a socialização e reeducação têm mais chances de prosperar.
Somos do entendimento que este seria o ponto para o Governo se concentrar e, não em rebaixar a idade penal. Até porque, como dissemos, o sistema penal no Brasil é falido e está (ou sempre esteve), em situação lastimável. Discutir acerca do rebaixamento penal é uma forma de dar satisfação à opinião pública, seria o mesmo que demonstrar a ausência de Política Social.
No Brasil, há uma ausência de políticas públicas para a população infanto-juvenil. Existem, sim, alguns programas de governo. Porém, necessário que se tornem Políticas e, que promovam a mudança social. Políticas Sociais diminuem a criminalidade. Discutir o rebaixamento da idade penal é mais uma prova de quem não tem proposta e desconhece – por má fé ou ignorância -, a lei atual que já pune.
O que, realmente, o Brasil necessita (enquanto cidadãos e cidadãs) é de aumento de escolas (período integral), geração de emprego e renda, saúde, lazer (direito ao lazer é constitucional), criação de condições para uma convivência familiar justa e digna.
Enfim, fica aqui mais um ensinamento do grande Foucalt[3]:
(...) a idéia de uma reclusão penal é explicitamente criticada por muitos reformadores. Porque é incapaz de responder à especificidade dos crimes. Porque é desprovida de efeito sobre o público. Porque é inútil à sociedade, até nociva; é cara, mantém os condenados na ociosidade, multiplica-lhe os vícios. Porque é difícil controlar o cumprimento de uma pena dessas e corre-se o risco de expor os detentos à arbitrariedade de seus guardiães. Porque o trabalho de privar um homem de sua liberdade e vigiá-lo na prisão é um exercício de tirania(...) (grifamos)
* Rosarinha Bastos, Presidente da Comissão da Infância e Juventude da OAB/MT. Especialista nas áreas de Família, Criança e Adolescente e Membro da Comissão Especial dos Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso - CECAI - Conselho Federal da OAB.
________________________________________
[1] Albergaria, Jason. Revista do Conselho de Criminologia e Política Criminal. São Paulo. Junho de 1996. p. 59
[2] Foucalult, Michel. Vigiar e Punir. História da Violência nas Prisões. 5ª ED. Petrópolis. Vozes,. 1.987. 234/35.
[3] Idem.