É indiscutível os avanços e o progresso que a internet propiciou ao mundo moderno nos tempos atuais, possibilitando a comunicação de pessoas em qualquer parte do mundo e a internacionalização do comércio em tempo real com apenas um clique do mouse.
O comércio eletrônico começou a ser utilizado no início do Século XX nos Estados Unidos, com o intuito de alcançar consumidores residentes em regiões isoladas dos centros comerciais americano. Desta forma criaram se o Wish Book da rede Sears que atendia nos Estados Unidos da América no Estado do Kansas e outras zonas rurais isoladas.
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Décadas após, o comércio eletrônico fora introduzido no Brasil, como forma de interagir os consumidores das regiões mais afastadas do país, notadamente das regiões do norte e nordeste.
Nestes termos, a criação do espaço cibernético da internet ocasionou o implemento de situações fáticas inteiramente novas que desafiam os parâmetros legais baseados em premissas fáticas ultrapassadas.
Dentro de tais situações encontra-se o fenômeno do E-commerce que põe em crise os tradicionais marcadores de tempo e espaço utilizados para minudenciar conceitos tradicionais do direito tributário como domicílio fiscal estabelecimento, competência e jurisdição, conceitos esses que dominaram o quadro jurídico no Século XX.
Sob esse prisma, os Estados competentes para instituição do ICMS instituíram nova forma de cobrança do aludido imposto, tendo vista a propalada guerra fiscal entre os Estados.
Desta feita, o Conselho Nacional de Política Fazendária criou o Protocolo de n. 21/20111 que versa sobre a cobrança do ICMS nas compras de produtos utilizadas pela rede mundial de computadores.
Assim prevê o aludido Protocolo2 que, ‘(...) Nas operações interestaduais entre as unidades federadas signatárias deste protocolo o estabelecimento remetente, nas condições de substituto tributário, será responsável pela retenção e recolhimento do ICMS, em favor da unidade federada de destino, relativo à parcela de que trata a cláusula primeira (...)’.
Todavia, é imperioso ressaltar que, embora haja previsão do protocolo de tributar o consumidor final que adquire produtos pela rede mundial de computadores, à luz do Sistema Constitucional Tributário, tal medida se mostra manifestamente ilegal e inconstitucional.
Porquanto, o Confaz é um órgão deliberativo de Conselho Fazendário que reúne todas as Secretarias de Fazendas do Brasil e desta feita não possui poder de legislar, assim defronta com princípio da legalidade tributária inscrita no art. 150, I da Carta Maior.
Além disso, o Protocolo em foco viola os princípios do Pacto Federativo e institui nova forma de tributação diversa do que institui o art. 155, inciso II da Constituição Federal.
Em sendo assim, o protocolo ora debatido criou nova forma de incidência tributária ao atribuir o consumidor final como contribuinte do ICMS, configurando in casu a bitributação, vedada pela Carta Magna e por diversos tratados de Direito Internacional Tributário.
A bitributação, segundo Bernardo Morais3 , ocorre quando se verifica “a exigência de impostos iguais pelo mesmo poder tributante, sobre o mesmo contribuinte, e em razão do mesmo fato gerador”.
Desta feita se torna clarividente a bitributação incidente no que tange o Protocolo n.21/2011 ao exigir o ICMS da Empresa Virtual e do Consumidor final.
Por outro lado, a matéria ventilada fere ao princípio do pacto federativo, frente à regra inserta no artigo 155, §2º, inciso XII, alínea b, da Constituição Federal, que determina seja adotada a alíquota interna do ICMS quando o destinatário não for contribuinte do ICMS, sendo este tributo devido à unidade federada de origem e não à unidade federada destinatária.
Neste sentido, preleciona o Professor Paulo de Barros Carvalho4 que o princípio federativo, inscrito no art. 1º da Constituição está endereçado, inequivocamente, aos legisladores da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal. Contudo, não há negar enquanto expresse a autonomia recíproca das unidades federadas, sob o manto da Lei Fundamental representará fontes inesgotável de direitos e garantias individuais.
Neste ponto, continua o Professor, as hipóteses mais comuns de violação de direitos e garantias individuais parecem alojar-se nos art. 155,§2º, II e 146 da CR/88, este justamente, prevê a edição de normas gerais de direito tributário.
Logo, manifesta mais uma vez a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS 21/2011 por afronta aos aludidos preceptivos que exigem Norma Geral de Direito Tributário, ou seja, Lei Complementar.
Com efeito, mister salientar que várias ações diretas de inconstitucionalidade foram propostas no Excelso Supremo Tribunal Federal em face de atos normativos decorrentes do Protocolo ICMS n° 21/2011, como as autuadas com os números 4599 e 4596, propostas pelo pela Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso através do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, e a 4628, proposta pela Confederação Nacional do Comércio de bens serviços e turismo - CNC, aguardando-se o pronunciamento definitivo daquela Corte.
Além do mais, impende destacar, que fora aprovada no último dia 04 de julho em unanimidade pelo Senado Federal, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 103/11) que altera a tributação do ICMS nas transações de comércio eletrônico no país.
Com a PEC 103/11 o imposto passará a ser repartido entre os estados de origem e do destino, assim como ocorre nas operações interestaduais realizadas através dos meios tradicionais de comercialização.
Por fim, conquanto a Suprema Corte não tenha se posicionado sobre o assunto, o Ministro Ari Pargendler do Colendo Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou5 , mantendo a suspensão dos efeitos do protocolo ICMS 21/2011 determinada pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, ao indeferir pedido de Suspensão de Segurança apresentado pelo Estado do Maranhão, em decisão cujo teor ora se transcreve: 1. Os autos dão conta de que Ricardo Eletro Divinópolis Ltda. impetrou mandado de segurança, com pedido de medida liminar, contra ato do Secretário da Fazenda do Estado do Maranhão, visando afastar a incidência do ‘Protocolo ICMS n° 21/2011 que estabeleceu uma nova sistemática de cobrança do referido imposto nas compras virtuais, determinando a sua cobrança quando da entrada da mercadoria no Estado, ainda que o destinatário seja o consumidor final, incidindo bitributação’ (fl. 26).
A Relatora Desembargadora Raimunda Santos Bezerra deferiu a medida liminar ‘para suspender os efeitos do Protocolo ICMS n° 21/2011, determinando que a autoridade coatora se abstenha de exigir o pagamento do ICMS quando da entrada dos produtos vendidos pela autora aos consumidores finais deste Estado’ (fl. 26).
Por fim, comprovado a inconstitucionalidade do referido protocolo, com fulcro no inciso XXXV do art. 5º da CF/88 (inafastabilidade da jurisdição) necessário se faz as Empresas/cidadãos socorrer se ao Poder Judiciário para a declaração da ilegalidade/inconstitucionalidade da cobrança de ICMS atinentes as compras realizadas pela rede mundial de computadores.
Felipe Amorim Reis é advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-MT.
1 - Estabelece disciplina relacionada à exigência do ICMS nas operações interestaduais que destinem mercadoria ou bem ao consumidor final, cuja aquisição ocorrer de forma não presencial no estabelecimento remetente
2 - http://www.fazenda.gov.br/confaz/confaz/protocolos/icms/2011/pt021_11.htm
3 - Bernardo Moraes de Ribeiro Compêndio, primeiro volume. 4ª Edição. Forense. Rio de Janeiro p. 283)
4 - Paulo de Barros Carvalho. Linguagem e Método. Ed. Noeses 2ª Edição 2008 p. 273/274
5 - AgRg na SS 2482 / MA AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA n. 2011/0139554-1 data de julgamento 31/08/2011 (www.stj.jus.br)